Rio de Janeiro, anos 50. Surge no bairro nobre de Ipanema um movimento
de jovens, que, influenciados pelo jazz norte-americano, decidem
adicioná-lo ao samba de improviso: batizado de “bossa
nova”, este novo ritmo da MPB passa adquirir notoriedade
e admiração no mundo inteiro. Nomes como Vinícius
de Moraes, Tom Jobim, João Gilberto, Toquinho, Joyce, Nara
Leão, Roberto Menescal, Emílio Santiago, Chico Feitosa,
Sylvia Telles e Baden Powel fizeram do gênero nascido
entre a beira-mar e os botecos da zona sul ecoar em palcos de casas
badaladas como a Carnegie Hall (NYC), na década
de 60. Mas apesar de toda a popularidade mundial, a bossa nova fora
contrariada por um considerável número de críticos
musicais brasileiros, que a viram como uma justificativa à
incapacidade de cantar afinadamente.
Igualmente a perseguição à bossa, um outro
gênero musical, nascido no bairro do Bronx (NYC), em 1976,
torna-se alvo das insatisfações da crítica
por se tratar de um elemento nascido nos “projets afro-americanos”:
o “rap”, responsável hoje
por uma indústria avaliada em 1 bilhão de dólares
somente nos EUA.
Agora, imagine estes dois ritmos dados como polemizadores durante
o seu nascimento, fundidos num só projeto, e o mais interessante,
com raízes cariocas... Pois é, talvez tão
inovador quanto o hip-hop com samba de Rappin’ Hood
e Marcelo D2, está o estilo criado
por “Vinícius Terra”. Atraído
pela arte desde os 11 anos, Vinícius envolveu-se com a
poesia chegando a participar de diversos concursos, sendo relacionado
à nova safra de poetas cariocas rigorosamente selecionada
pelo ilustre Ferreira Gullar (indicado ao Prêmio
Nobel de Literatura em 2002). Aos 17, ele teve o seu primeiro
contato com o rap arriscando seu dom poético em algumas
intervenções nos festivais de improviso (freestyle)
da cidade, e como uma espécie de paixão fulminante,
adentrou ao universo hip-hop dedicando-se a direção
de eventos em comunidades pobres; redigindo artigos de manifesto
em alguns zines do gênero e auxiliando na inspiração
escrita de alguns grafiteiros pela elaboração da
arte urbana. Professor de Língua Portuguesa; Literatura
Brasileira e Produção de Texto, é também
criador da ONG “Posse Reagir”, ao
lado do amigo e rapper Jovem Cerebral, aonde
coordena o projeto “Geração Hip-hop”
na unidade de Madureira da rede SESC, visando gerar oportunidades
aos adolescentes pobres através das oficinas de dj e rap
(ministradas pelos instrutores DJ Nino e Jovem Cerebral). Ao lado
do amigo Dom Negrone, é fundador do coletivo
“Rataria – The Hip-hop incorporation”.
Amante incondicional de longa data da bossa-nova, Vinícius
resolve, em janeiro de 2004, dar asas à sua experimentação
musical invadindo o cenário do underground carioca, apoiado
pela “Orquestra Gente Fina”: nasce
então o “bossa rap”...! Caro
internauta, o bairro da Pavuna pede passagem para o álbum
“Bossarap” de Vinícius
Terra...
TR.
Portal
Campo Grande- Como e quando foi o seu primeiro contato com o rap?
Vinícius Terra- Sinceramente, não
foi através de muitos como a minha geração,
pois quando tinha 12 anos, o hip-hop, como todos sabem, não
ia de encontro com a população. Meu primeiro contato
foi através das grandes rádios que tocavam Gabriel
, O Pensador e de filmes norte-americanos em que a trilha sonora
era o rap. Me causou um grande interesse em buscar mais, pois
o rapper de maior sucesso naquela época (mais divulgado)
era branco, de classe média alta, abordava temas que justamente
iam de encontro à sociedade em que ele mesmo estava inserido
e enquanto nos Estados Unidos, em sua maioria eram negros. Queria
muito saber como isso funcionava e acabou me impulsionando em
estudar mais sobre a miscigenação racial no Brasil
e, conseqüentemente, à gostar mais da minha cultura.
Como não conseguia muita coisa no Rio de rap entrei em
contato com o fã-clube do Gabriel e eles me deram o vinil
da coletânea "Tiro Inicial" e só depois
de um ou dois anos que escutei Racionais, Thaíde &
Dj Hum e os demais grupos que existiam naquela época. Não
era fácil encontrar esses discos; era preciso estar perto
dos que faziam parte do movimento hip-hop para poder conseguir
as obras de artistas de outros estados.
PCG-
E o porquê de se envolver com o rap?
VT- Quando descobri o que significava a sigla
rap, tive muita vontade de fazê-lo, pois era poeta e quando
declamava em alguns concursos do gênero, muitos professores
admiravam e poucos jovens gostavam. Senti que teria mais liberdade
de criação e atenção de pessoas da
minha idade para o que eu queria transmitir num poema se ele tivesse
ritmo e rimas regulares. Além disso, percebi que aquela
música (assim como o rock para o Brasil nos anos de 1980)
estava começando a tomar forma no país, era um momento
em que todos os grupos estavam buscando sua identidade, então
senti que tudo aquilo estava tendo início na minha geração.
Vi que poderia somar, acrescentar, contribuir e inovar nesse estilo
que tomava forma naquele momento. Sem modéstia, era necessário
mostrar meu ponto de vista, meu discurso através do rap.
PCG-
E quanto ao contato com a bossa e porquê esta junção
de ritmos?
VT- A bossa nova projetou o país a um
patamar internacional jamais obtido por nenhum outro estilo musical
nacional através da história. Ela é o equilíbrio
entre o jazz e o samba, entre o requinte e a folia, entre o asfalto
e o morro. Unir dois estilos ricos, opostos e distintos ( bossa
nova e rap) é causar uma junção entre o que
é saudosista e contestador, amoroso e político.
Aí meu amigo, após provocar tal composição
justaposta, ambos tomam outro sentido, outro propósito.
PCG-
É notório que você é o criador
deste novo estilo. Que tipo de sentimento você pode descrever
sabendo que muitos, num futuro bem próximo, irão
beber desta água?
VT- A primeira bossa rap foi concebida em 2000/2001,
a pesquisa foi árdua, desde 1998 tentava unir ambos, mesmo
com a desaprovação de muitos.
Terei satisfação de ter sido o criador e ter seguidores,
desde que estes não sejam como muitos, a maioria, melhor
dizendo, que se apropriam do hip-hop, por exemplo, e esquecem
suas origens e seus criadores. Falam qualquer coisa, não
conhecem a fundo sobre o que está falando. É como
um traficante de favela que não conhece a origem do oponente
que, praticamente, é igual a ele: a mesma realidade. Observo
muitos que se apropriam de algo que não criaram e, muito
menos, conhecem o porquê de sua existência.
PCG-
Cada estilo gerado no rap tem por costume abordar temas que conotam
o perfil de seus trabalhos. O bossa rap aborda exatamente o quê?
VT- O ser humano como centro de todas as coisas.
Tudo está muito “intragável", difícil
entender nossa espécie, tão evoluída e, ao
mesmo tempo, tão irracional. Me dá um certo medo
de entregar a meus filhos um mundo assim. Não suporto ficar
acomodado com tanta indiferença.
PCG-
E a comunidade hip-hop do Rio, como ela tem se portado ao seu
trabalho?
VT- Não sei ao certo, pois a maioria destes
ditos ativistas ou artistas são movidos pelo ego que consegue
tomar conta dele a ponto de tentar prejudicar quem se propõe
fazer um trabalho honesto, rico e original. Fecham quantas portas
puderem, elogiam o que você faz, mas para outros te detona.
Parece que tem muita gente que caiu de pára-quedas no movimento...
Ainda bem que o público sempre responde aos meus refrões,
aplaudem e sentem-se felizes ao ver meu show. Isso me dá
mais força para poder continuar o que estou fazendo e isso,
sinceramente, incomoda demais aos "sem-criatividade-apropriadores-de-idéias-alheias"!
PCG-
Como você interpreta este "novo movimento hip-hop"
instalado na sociedade atual?
VT- Mais uma vez, um movimento cheio de talentos
sem consciência de seus próprios valores logo, se
oferecem para o capitalismo como uma mulher sem auto-estima a
implorar que o marido não se separe dela. Ah, hip-hop,
é preciso aprender a jogar...
PCG-
Você é professor e trabalha com uma faixa etária
delicada que são os pré-adolescentes. Na didática
utilizada pelo Prof. Vinícius, o rap está inserido
como mecanismo de conscientização, e se está,
quais são os resultados desta experiência?
VT- Estão, pois faço com que eles
não se deixem levar pelo que é empurrado "güela
abaixo" e, conseqüentemente, eles tentam buscar o que
é verdade. Felizmente eles aprenderam distinguir o que
é ato do que é fato; não só no rap,
mas na sociedade como um todo.
PCG-
Analisando seu CD demo, percebi que, ao contrário dos demais
rappers, que procuram dar uma certa estética ao produto,
a fim de impressionar as gravadoras, o seu é extremamente
simples (em preto e branco) contendo apenas o nome do trabalho
e do artista. Isto não lhe preocupa?
VT- Não, pois quero mostrar o conteúdo.
Além disso, essa capa remete ao extinto selo de bossa nova
chamado "Elenco", no qual todas as capas eram simples.
Quem conhece bem o gênero, sabe que essa capa foi de propósito
e não apenas por falta de investimento.
PCG-
Fazendo a audição de seu trabalho notei
que a faixa "Bossarap", responsável pela abertura
do CD apresenta, em sua essência, o sentido visível
destes dois ritmos. Fale-nos um pouco sobre isso.
VT- Fico feliz por ter conseguido transpor na
faixa de abertura o que realmente me propus. Ela fala de ambos
estilos e das suas realidades. A "Bossarap" nos mostra
que mesmo com o passar dos tempos, o homem será sempre
o mesmo. Espero que essa tentativa de fazer novamente uma auto-avaliação
dos nossos conceitos dê certo.
Saiba mais:
www.viniciusterra.com (indo ao ar à partir de 15 de abril)
bossarap@yahoo.com.br
http://geocities.yahoo.com.br/bossarap
Contato para show: (21) 3452- 0426 ou 9694-9017