O Portal de Campo Grande lança mais uma super coluna, desta vez sobre a Cultura do Hip Hop no Brasil.
Esta coluna está sendo escrita pelo DJ TR

Saiba mais sobre o DJ TR:

- Militante do movimento hip-hop há 14 anos
- Coordenador da ATCON (Associação Atitude Consciente)
- Membro da Zulu Nation Brasil
- Palestrante, escritor e colunista
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Entrando em cena o “rap bossado” de “Vinícius Terra”...
Rio de Janeiro, anos 50. Surge no bairro nobre de Ipanema um movimento de jovens, que, influenciados pelo jazz norte-americano, decidem adicioná-lo ao samba de improviso: batizado de “bossa nova”, este novo ritmo da MPB passa adquirir notoriedade e admiração no mundo inteiro. Nomes como Vinícius de Moraes, Tom Jobim, João Gilberto, Toquinho, Joyce, Nara Leão, Roberto Menescal, Emílio Santiago, Chico Feitosa, Sylvia Telles e Baden Powel fizeram do gênero nascido entre a beira-mar e os botecos da zona sul ecoar em palcos de casas badaladas como a Carnegie Hall (NYC), na década de 60. Mas apesar de toda a popularidade mundial, a bossa nova fora contrariada por um considerável número de críticos musicais brasileiros, que a viram como uma justificativa à incapacidade de cantar afinadamente.

Igualmente a perseguição à bossa, um outro gênero musical, nascido no bairro do Bronx (NYC), em 1976, torna-se alvo das insatisfações da crítica por se tratar de um elemento nascido nos “projets afro-americanos”: o “rap”, responsável hoje por uma indústria avaliada em 1 bilhão de dólares somente nos EUA.

Agora, imagine estes dois ritmos dados como polemizadores durante o seu nascimento, fundidos num só projeto, e o mais interessante, com raízes cariocas... Pois é, talvez tão inovador quanto o hip-hop com samba de Rappin’ Hood e Marcelo D2, está o estilo criado por “Vinícius Terra”. Atraído pela arte desde os 11 anos, Vinícius envolveu-se com a poesia chegando a participar de diversos concursos, sendo relacionado à nova safra de poetas cariocas rigorosamente selecionada pelo ilustre Ferreira Gullar (indicado ao Prêmio Nobel de Literatura em 2002). Aos 17, ele teve o seu primeiro contato com o rap arriscando seu dom poético em algumas intervenções nos festivais de improviso (freestyle) da cidade, e como uma espécie de paixão fulminante, adentrou ao universo hip-hop dedicando-se a direção de eventos em comunidades pobres; redigindo artigos de manifesto em alguns zines do gênero e auxiliando na inspiração escrita de alguns grafiteiros pela elaboração da arte urbana. Professor de Língua Portuguesa; Literatura Brasileira e Produção de Texto, é também criador da ONG “Posse Reagir”, ao lado do amigo e rapper Jovem Cerebral, aonde coordena o projeto “Geração Hip-hop” na unidade de Madureira da rede SESC, visando gerar oportunidades aos adolescentes pobres através das oficinas de dj e rap (ministradas pelos instrutores DJ Nino e Jovem Cerebral). Ao lado do amigo Dom Negrone, é fundador do coletivo “Rataria – The Hip-hop incorporation”. Amante incondicional de longa data da bossa-nova, Vinícius resolve, em janeiro de 2004, dar asas à sua experimentação musical invadindo o cenário do underground carioca, apoiado pela “Orquestra Gente Fina”: nasce então o “bossa rap”...! Caro internauta, o bairro da Pavuna pede passagem para o álbum “Bossarap” de Vinícius Terra...
TR.

Portal Campo Grande- Como e quando foi o seu primeiro contato com o rap?
Vinícius Terra- Sinceramente, não foi através de muitos como a minha geração, pois quando tinha 12 anos, o hip-hop, como todos sabem, não ia de encontro com a população. Meu primeiro contato foi através das grandes rádios que tocavam Gabriel , O Pensador e de filmes norte-americanos em que a trilha sonora era o rap. Me causou um grande interesse em buscar mais, pois o rapper de maior sucesso naquela época (mais divulgado) era branco, de classe média alta, abordava temas que justamente iam de encontro à sociedade em que ele mesmo estava inserido e enquanto nos Estados Unidos, em sua maioria eram negros. Queria muito saber como isso funcionava e acabou me impulsionando em estudar mais sobre a miscigenação racial no Brasil e, conseqüentemente, à gostar mais da minha cultura. Como não conseguia muita coisa no Rio de rap entrei em contato com o fã-clube do Gabriel e eles me deram o vinil da coletânea "Tiro Inicial" e só depois de um ou dois anos que escutei Racionais, Thaíde & Dj Hum e os demais grupos que existiam naquela época. Não era fácil encontrar esses discos; era preciso estar perto dos que faziam parte do movimento hip-hop para poder conseguir as obras de artistas de outros estados.

PCG- E o porquê de se envolver com o rap?
VT- Quando descobri o que significava a sigla rap, tive muita vontade de fazê-lo, pois era poeta e quando declamava em alguns concursos do gênero, muitos professores admiravam e poucos jovens gostavam. Senti que teria mais liberdade de criação e atenção de pessoas da minha idade para o que eu queria transmitir num poema se ele tivesse ritmo e rimas regulares. Além disso, percebi que aquela música (assim como o rock para o Brasil nos anos de 1980) estava começando a tomar forma no país, era um momento em que todos os grupos estavam buscando sua identidade, então senti que tudo aquilo estava tendo início na minha geração. Vi que poderia somar, acrescentar, contribuir e inovar nesse estilo que tomava forma naquele momento. Sem modéstia, era necessário mostrar meu ponto de vista, meu discurso através do rap.

PCG- E quanto ao contato com a bossa e porquê esta junção de ritmos?
VT- A bossa nova projetou o país a um patamar internacional jamais obtido por nenhum outro estilo musical nacional através da história. Ela é o equilíbrio entre o jazz e o samba, entre o requinte e a folia, entre o asfalto e o morro. Unir dois estilos ricos, opostos e distintos ( bossa nova e rap) é causar uma junção entre o que é saudosista e contestador, amoroso e político. Aí meu amigo, após provocar tal composição justaposta, ambos tomam outro sentido, outro propósito.

PCG- É notório que você é o criador deste novo estilo. Que tipo de sentimento você pode descrever sabendo que muitos, num futuro bem próximo, irão beber desta água?
VT- A primeira bossa rap foi concebida em 2000/2001, a pesquisa foi árdua, desde 1998 tentava unir ambos, mesmo com a desaprovação de muitos.
Terei satisfação de ter sido o criador e ter seguidores, desde que estes não sejam como muitos, a maioria, melhor dizendo, que se apropriam do hip-hop, por exemplo, e esquecem suas origens e seus criadores. Falam qualquer coisa, não conhecem a fundo sobre o que está falando. É como um traficante de favela que não conhece a origem do oponente que, praticamente, é igual a ele: a mesma realidade. Observo muitos que se apropriam de algo que não criaram e, muito menos, conhecem o porquê de sua existência.

PCG- Cada estilo gerado no rap tem por costume abordar temas que conotam o perfil de seus trabalhos. O bossa rap aborda exatamente o quê?
VT- O ser humano como centro de todas as coisas. Tudo está muito “intragável", difícil entender nossa espécie, tão evoluída e, ao mesmo tempo, tão irracional. Me dá um certo medo de entregar a meus filhos um mundo assim. Não suporto ficar acomodado com tanta indiferença.

PCG- E a comunidade hip-hop do Rio, como ela tem se portado ao seu trabalho?
VT- Não sei ao certo, pois a maioria destes ditos ativistas ou artistas são movidos pelo ego que consegue tomar conta dele a ponto de tentar prejudicar quem se propõe fazer um trabalho honesto, rico e original. Fecham quantas portas puderem, elogiam o que você faz, mas para outros te detona. Parece que tem muita gente que caiu de pára-quedas no movimento... Ainda bem que o público sempre responde aos meus refrões, aplaudem e sentem-se felizes ao ver meu show. Isso me dá mais força para poder continuar o que estou fazendo e isso, sinceramente, incomoda demais aos "sem-criatividade-apropriadores-de-idéias-alheias"!

PCG- Como você interpreta este "novo movimento hip-hop" instalado na sociedade atual?
VT- Mais uma vez, um movimento cheio de talentos sem consciência de seus próprios valores logo, se oferecem para o capitalismo como uma mulher sem auto-estima a implorar que o marido não se separe dela. Ah, hip-hop, é preciso aprender a jogar...

PCG- Você é professor e trabalha com uma faixa etária delicada que são os pré-adolescentes. Na didática utilizada pelo Prof. Vinícius, o rap está inserido como mecanismo de conscientização, e se está, quais são os resultados desta experiência?
VT- Estão, pois faço com que eles não se deixem levar pelo que é empurrado "güela abaixo" e, conseqüentemente, eles tentam buscar o que é verdade. Felizmente eles aprenderam distinguir o que é ato do que é fato; não só no rap, mas na sociedade como um todo.

PCG- Analisando seu CD demo, percebi que, ao contrário dos demais rappers, que procuram dar uma certa estética ao produto, a fim de impressionar as gravadoras, o seu é extremamente simples (em preto e branco) contendo apenas o nome do trabalho e do artista. Isto não lhe preocupa?
VT- Não, pois quero mostrar o conteúdo. Além disso, essa capa remete ao extinto selo de bossa nova chamado "Elenco", no qual todas as capas eram simples. Quem conhece bem o gênero, sabe que essa capa foi de propósito e não apenas por falta de investimento.

PCG- Fazendo a audição de seu trabalho notei que a faixa "Bossarap", responsável pela abertura do CD apresenta, em sua essência, o sentido visível destes dois ritmos. Fale-nos um pouco sobre isso.
VT- Fico feliz por ter conseguido transpor na faixa de abertura o que realmente me propus. Ela fala de ambos estilos e das suas realidades. A "Bossarap" nos mostra que mesmo com o passar dos tempos, o homem será sempre o mesmo. Espero que essa tentativa de fazer novamente uma auto-avaliação dos nossos conceitos dê certo.

Saiba mais:
www.viniciusterra.com (indo ao ar à partir de 15 de abril)
bossarap@yahoo.com.br
http://geocities.yahoo.com.br/bossarap
Contato para show: (21) 3452- 0426 ou 9694-9017

TR             
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