O Portal de Campo Grande lança mais uma super coluna, desta vez sobre a Cultura do Hip Hop no Brasil.
Esta coluna está sendo escrita pelo DJ TR

Saiba mais sobre o DJ TR:

- Militante do movimento hip-hop há 14 anos
- Coordenador da ATCON (Associação Atitude Consciente)
- Membro da Zulu Nation Brasil
- Palestrante, escritor e colunista
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Hélião e Negra Li apresentam em ritmo, poesia e requinte a outra face do rap nacional...
Ele está integrado ao rap desde o início dos anos 80... Ela se destacou inicialmente no mundo underground do hip-hop através de seus tons afinados junto ao grupo do qual ele também era integrante, e logo para todo o Brasil ao gravar com a banda Charlie Brown Jr. : Liliane de Carvalho – paulistana da gema – e Hélio Barbosa dos Santos – baiano radicado em São Paulo – ou se preferir, “Hélião & Negra Li”, como são mais conhecidos. Após terem construído sua história musical compondo o grupo da zona oeste paulistana, “RZO”, hoje trilham por caminhos um tanto adversos se comparados ao ambiente sisudo de antes. Instrumentais bem elaborados em seus timbres; vocais que oscilam entre r&b, jazz e mpb; equacionados harmônicamente às rimas versáteis do rap da periferia, e a franqueza das composições positivistas, porém sem deixar apagar a lembrança de um cotidiano amargo, fazem do álbum “Guerreiro Guerreira”, algo merecedor de uma crítica mais abalizada, já que infelizmente parte do nosso time de críticos de música impermeabiliza sua sensibilidade quando o assunto é hip-hop. Traidores do movimento? Adocicadores do gênero underground? Imediatistas? A ala radical pode predicá-los de diversas formas por terem fechado contrato junto a poderosa Universal Music, contudo se esquecem que o hip-hop é uma matéria a ser explorada em toda a sua plenitude, principalmente entre nós, que nos auto-intitulamos seus “conhecedores incontestáveis”... Talvez o ceticismo destes caia por terra, quando se depararem com a participação inédita na história do rap nacional de Mano Brown...

TR.

Portal Campo Grande- A presença da mulher no hip-hop ainda é em número inferior. Como você avalia a sua presença neste movimento?
Negra Li- Desde quando eu comecei, eu fui bem recebida. Eu acho que machismo tem bastante, discriminação a gente ainda sofre, mas é natural, o ser humano, ele é assim: falho. O motivo de ter menos mulheres, é simples, e óbvio até porque um casal quando tem um filho, a mulher toma mais conta, ela é mãe, é dona de casa... Já o homem, ele é mais livre pra fazer certos tipos de coisa. Mas esse quadro tá se revertendo, tão vindo muito mais mulheres agora, eu sinto uma grande responsabilidade por ser a primeira mulher no rap nacional a lançar um trabalho por uma gravadora grande, e, graças à Deus eu tenho encontrado muitas mulheres na rua – que tão começando – que vêm me agradecer por eu tá abrindo espaço, que era isso que elas queriam, que elas vêem em mim a possibilidade de estarem fazendo sucesso também, que se espelharam em mim... Então, eu fico muito feliz, mas a responsabilidade é bem grande!

PCG- Hélião & Negra Li é um projeto ainda novo, porém qual é a perspectiva colocada pela dupla neste novo conceito?
NL- Tudo tem acontecido naturalmente, devagar e sempre, porque eu nunca me deslumbrei com nada: eu sempre tive muita calma. É por isso que as coisas acontecem pra mim, porque eu sempre espero com paciência. Então, eu acredito que a energia desse cd é muito positiva, a gente buscou essa evolução! Foi atrás! Batalhou! Então, eu tenho certeza, que daqui pra frente – com seus altos e baixos – vai ser só alegria mesmo com alguns momentos de tristeza, mas eu acho que vão ser mais momentos de alegria do que de tristeza. O caminho é sempre difícil, mais pra frente também não vai ser mais fácil, vai exigir cada vez mais da gente, e a gente tá aí pra representar o nosso povo – eu ainda moro em periferia, e respeito muito as pessoas de lá como nós... Fazer rap é prazeroso, eu tenho muito orgulho e pretendo continuar no gênero um bom tempo, sendo que eu tenho dentro de mim o jazz e blues e isso mexe muito comigo...

PCG- Você acabou trazendo a próxima pergunta: percebe-se que você domina tanto o canto melódico, quanto que o falado. Como você encara o fato diante de uma ala cética do hip-hop, que defende um rap seco, simplesmente composto de rima?
NL- Tudo é uma evolução, até mesmo a aceitação disso... Eu faço o que eu aprendo! Eu convivi muito tempo com o RZO e os manos mandam uma rima firmeza, então, eu tive uma boa escola graças a Deus... e a musicalidade veio dos hinos da igreja, que é uma coisa que tá dentro de mim... Eu acho que, o rap sem musicalidade, fica muito sem graça, muito reto, chama pouco a atenção das pessoas. Se a gente quiser ser ouvido, nada melhor do que uma boa música, uma boa melodia pra chamar a tenção do público.

PCG- E o rap na TV? A ala radical do movimento ainda teme por quem se propõe em representar o hip-hop em canal aberto alegando uma exposição gratuita da nossa imagem. Como o Hélião lida com isto?
HéLião- Eu canto rap há 23 anos! Eu nunca falei que não iria na televisão, pelo contrário, eu sou um rapper, mas antes de tudo eu sou um músico! Eu tenho uma carreira a seguir, várias pessoas que dependem de mim – não é só a minha família – uma pá de mano que ficou na Família RZO, que também tá esperando uma oportunidade, os caras confiam em mim! Um exemplo bom é o Sabotage: ele ensinou que o rap pode se relacionar bem com o rádio, a TV, a mídia, qualquer um! Ele ia na Globo hoje, no dia seguinte tava na favela e os irmãos todos gostavam! Ele chegava ali do mesmo jeito que ele era, sem perder a originalidade! Ele era consciente e sabia que ele tinha que promover a música dele... Às vezes eu me submeto a isso até pelo amor que eu tenho pelo rap, pela vontade de ver o rap chegar no nível das outras tendências. Alguém ia ter que dar a cara pra bater, e se primeiro tá sendo nós, então vombora!

PCG- O rapper “Marcelo D2” participou com vocês na faixa “Rap Não Tem Pra Ninguém”. Como foi esta experiência?
HL- Nós produzimos com o David Corcos e Daniel Ganjaman. Pô, o Corcos é braço direito do D2, inclusive a versão do Acústico MTV, foi ele que produziu tudo... é um cara muito competente, trabalha 3 dias direto no estúdio sem dormir, sem fazer barba, sem tomar banho, sem nada! Nunca vi isso! Aí eu falava pro David: traz o D2 aí pra gente conhecer, a gente gosta muito do som dele! Desde a época do Planet Hemp ele fala uma pá de coisas que neguinho queria falar, mas não tinha coragem! Tem gente que diz que o D2 não tem identidade porque canta rock, samba, rap, mas isso eu acho que é uma qualidade fortíssima! O cara é versátil, se dá bem em qualquer estilo! Eu conheço ele a menos tempo que você, mas eu já vi que ele é aquele cara... E ele também tá numa fase esplêndida, porque, um tempo atrás, pelo meu ver, ele mais zoava, e agora, você vê o estilo do trabalho, os caras trabalhando no show, montando tudo, a família dele envolvida, os caras são profissionais, são família e você vê que ele tá a fim duma parada séria! Torço pra c... por ele e ele é mó humildão porque ele já é o cara, e nós, que tamos chegando ainda, ele chegou e deu uma mão, fez a rima e contou com nós! Gostei pra caramba! Mó honra!

PCG- “Mano Brown” também rimou com vocês na faixa “Periferia”. Como se deu esta química, tendo em vista que Brown se propõe em participar simplesmente recitando algumas palavras nas músicas dos artistas de rap?
HL- Eu fiquei muito orgulhoso dessa participação dele, porque eu fiz por merecer. Eu gravei um disco uma vez com os caras (Racionais), eles nunca colocaram um papel na minha frente pra eu assinar, sempre fizeram os pagamentos tudo certinho... e ele começou a ver que eu ajudava todo mundo, ensinava todo mundo a cantar... Uma pá de vezes ele chegou pra mim e disse: p... Hélião, daqui a pouco vai ter um monte de Hélião por aí cantando... Eu falei: não Brown, enquanto os caras tiverem no Hélião, a gente vai tá um pouco mais pra frente! Depois, a gente fez o disco do Sabotage quando era pra fazer o RZO II, ele chegou e falou: p... Hélião, vamos fazer o RZO II? Eu falei: não, vamos fazer o disco do Sabotage, porque ele tá precisando mais que nós, ele tá num barraco de 2 cômodos, sem janela, passa um lodo na frente... O Brown ficou meio assim, e perguntou se era isso mesmo que eu ia fazer, eu confirmei. Depois, na hora, o Brown falou assim: é 10 por cento pro Sabotage e 5 pro Hélião! Eu falei: não, deixa os 15 por cento pro Sabotage, que o mano tá precisando mais que eu! O Brown várias vezes foi na minha casa e foi bem recebido sempre, sem aquele negócio de ficar enchendo o saco, aquele assédio, foi recebido como uma pessoa normal... Acho que foi por causa disso! E não pára por aí: eu tenho também o maior sonho de participar do disco dos caras... falei pra ele quando ele foi colocar a voz no nosso! Eu tenho certeza que um dia vou participar no disco dos manos, pode ser no próximo ou no outro, mas eu tenho certeza que um dia a hora chega!

PCG- A Negra Li possui alguma inspiração musical?
NL- O jeito que eu canto, é um jeito meu, mas tem umas cantoras que eu sempre me inspirei, que seu sempre gostei que é a Lauryn Hill, Jill Scott, Roberta Flak, Whitney Houston, um monte... Quando eu não estudava música, eu não tinha paciência de escutar mpb, aí, quando a gente começa a estudar, é que a gente fala: p... é f... mesmo...! a Elis Regina é uma mulher que eu tô começando a estudar agora; na escola de música todos os dias eu passo umas músicas dela, me apresento no final de ano com a escola de música, e ela é f... no tempo; é f... na interpretação, é uma mulher que eu tenho muito orgulho; é brasileira, uma branca com sangue de preto – não pelo fato de diminuir ninguém, mas eu falo assim por causa da forma guerreira que ela era! O negro, ele canta assim, acho que pela época da escravidão, que ele traz no sangue todo aquele sofrimento, então, eu acho que é isso que faz a pessoa cantar mais bonito. Quem sofre canta sempre mais bonito.

PCG- A dupla tem algum público específico a atingir com este trabalho?
HL- A gente acha que o rap é pra todo mundo! Não é só pra bandido, pra fumeta, mas pra todo mundo que quer curtir! Outra: canta rap, quem sabe cantar rap! Pode ser playboy, malandro, todo mundo tem uma mensagem pra passar, uma história pra contar!

PCG- Quais são as intenções atuais de vocês sobre este projeto?
HL- Agora nós tamos empenhados nesse projeto que é sério, que vai exigir de nós – nós assinamos um contrato de quatro discos – então, eu tô muito concentrado nisso. Depois disso eu não sei o que vai acontecer, mas eu tô concentrado nesses quatro discos e também nos shows: a gente fez nossa batida em mpc, dá trabalho de tirar tudo com uma banda, mas a gente não quer ficar tocando só com o dj, até porque ele gosta de tá envolvido com os músicos porque fica tudo livre pra fazer a arte dele. Vai dar um trabalho pra tirar todas as músicas ao vivo, então, eu tô concentrado nisso, joguei a responsa toda nas costas do Daniel Ganjaman, que é o nosso maestro e o bicho não tá nem dormindo! Pra tocar o rap mesmo, com instrumentos, sem a influência do rock, ou do samba, ou de outro som, é difícil! Não que a gente não goste desses sons, já toquei rock-and-roll – em 78 toquei baixo numa banda com meu tio que se chamava Prisioneiros do Apocalipse (aprendo muito com ele), depois passei pro samba... Então, gosto desses estilos, mas o que a gente quer fazer é o rap roots, talvez seja até uma parada nova no Brasil, porque eu ainda não vi.

PCG- Um recado para esta nova geração que está vendo em vocês a prova viva de que se pode alcançar um objetivo.
HL- Aonde não tem um espaço pra ensaiar, as Tecnichs (toca-discos), e o microfone, não sai nada! Só fica na conversa! No momento que se tem isso, aí sim, você recruta os irmãos, começa a testar como tá um, como tá o outro, e assim você vai formar um grupo e o barato vai subir. É na luta! Sempre se reunindo, sem deixar pra falar depois indo dormir mordido com o outro. Não! Tem que chegar e trocar a idéia certa do jeito que tem que ser! Força, fé, acreditar na parada e sonhar! Eu, com 4, 5 anos falava pra minha mãe que queria cantar e hoje eu tô aqui! Ela já não é mais viva, mas eu tenho certeza que ela tá orgulhosa de mim, porque eu falei pra ela e fiz mesmo! Então, quem trabalha Deus ajuda!

PCG- Deixe um conselho para as mulheres que almejam um lugar como o seu.
NL- Com certeza o lugar de cada uma tá reservado! Eu acho que você tem que ter fé, acreditar em Deus; que tudo tem a sua hora, a sua vez, e, com muita calma, sem se deslumbrar, porque se não der certo, você vai sofrer muito. Então, faça tudo devagar, com o coração, e, se de repente você tá em sua casa sem perspectiva, cuidando da sua criança, não tem um emprego, junta sua força, freqüenta uma igreja, é sempre bom. Deus abençoou muito a minha carreira, a minha voz, o meu canto... Tente agir da maneira certa, pra que as energias boas venham sobre você. Eu desejo muita sorte pra quem tá querendo ir nesse caminho. Sejam guerreiras! Lutem pelos seus objetivos! Eu espero que um dia eu possa encontrar essas minas pelo caminho, e elas venham falar: olha, eu vi aquela mensagem que você falou e realmente agora eu tô aqui e acreditei...!

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