Ele está integrado ao rap desde o início dos anos
80... Ela se destacou inicialmente no mundo underground do hip-hop
através de seus tons afinados junto ao grupo do qual ele
também era integrante, e logo para todo o Brasil ao gravar
com a banda Charlie Brown Jr. : Liliane de Carvalho
– paulistana da gema – e Hélio Barbosa
dos Santos – baiano radicado em São Paulo
– ou se preferir, “Hélião &
Negra Li”, como são mais conhecidos. Após
terem construído sua história musical compondo o grupo
da zona oeste paulistana, “RZO”, hoje
trilham por caminhos um tanto adversos se comparados ao ambiente
sisudo de antes. Instrumentais bem elaborados em seus timbres; vocais
que oscilam entre r&b, jazz e mpb; equacionados harmônicamente
às rimas versáteis do rap da periferia, e a franqueza
das composições positivistas, porém sem deixar
apagar a lembrança de um cotidiano amargo, fazem do álbum
“Guerreiro Guerreira”, algo merecedor
de uma crítica mais abalizada, já que infelizmente
parte do nosso time de críticos de música impermeabiliza
sua sensibilidade quando o assunto é hip-hop. Traidores do
movimento? Adocicadores do gênero underground? Imediatistas?
A ala radical pode predicá-los de diversas formas por terem
fechado contrato junto a poderosa Universal Music, contudo se esquecem
que o hip-hop é uma matéria a ser explorada em toda
a sua plenitude, principalmente entre nós, que nos auto-intitulamos
seus “conhecedores incontestáveis”... Talvez
o ceticismo destes caia por terra, quando se depararem com a participação
inédita na história do rap nacional de Mano
Brown...
TR.
Portal
Campo Grande- A presença da mulher no hip-hop ainda é
em número inferior. Como você avalia a sua presença
neste movimento?
Negra Li- Desde quando eu comecei, eu fui bem
recebida. Eu acho que machismo tem bastante, discriminação
a gente ainda sofre, mas é natural, o ser humano, ele é
assim: falho. O motivo de ter menos mulheres, é simples,
e óbvio até porque um casal quando tem um filho,
a mulher toma mais conta, ela é mãe, é dona
de casa... Já o homem, ele é mais livre pra fazer
certos tipos de coisa. Mas esse quadro tá se revertendo,
tão vindo muito mais mulheres agora, eu sinto uma grande
responsabilidade por ser a primeira mulher no rap nacional a lançar
um trabalho por uma gravadora grande, e, graças à
Deus eu tenho encontrado muitas mulheres na rua – que tão
começando – que vêm me agradecer por eu tá
abrindo espaço, que era isso que elas queriam, que elas
vêem em mim a possibilidade de estarem fazendo sucesso também,
que se espelharam em mim... Então, eu fico muito feliz,
mas a responsabilidade é bem grande!
PCG-
Hélião & Negra Li é um projeto ainda
novo, porém qual é a perspectiva colocada pela dupla
neste novo conceito?
NL- Tudo tem acontecido naturalmente, devagar
e sempre, porque eu nunca me deslumbrei com nada: eu sempre tive
muita calma. É por isso que as coisas acontecem pra mim,
porque eu sempre espero com paciência. Então, eu
acredito que a energia desse cd é muito positiva, a gente
buscou essa evolução! Foi atrás! Batalhou!
Então, eu tenho certeza, que daqui pra frente – com
seus altos e baixos – vai ser só alegria mesmo com
alguns momentos de tristeza, mas eu acho que vão ser mais
momentos de alegria do que de tristeza. O caminho é sempre
difícil, mais pra frente também não vai ser
mais fácil, vai exigir cada vez mais da gente, e a gente
tá aí pra representar o nosso povo – eu ainda
moro em periferia, e respeito muito as pessoas de lá como
nós... Fazer rap é prazeroso, eu tenho muito orgulho
e pretendo continuar no gênero um bom tempo, sendo que eu
tenho dentro de mim o jazz e blues e isso mexe muito comigo...
PCG-
Você acabou trazendo a próxima pergunta: percebe-se
que você domina tanto o canto melódico, quanto que
o falado. Como você encara o fato diante de uma ala cética
do hip-hop, que defende um rap seco, simplesmente composto de
rima?
NL- Tudo é uma evolução,
até mesmo a aceitação disso... Eu faço
o que eu aprendo! Eu convivi muito tempo com o RZO e os manos
mandam uma rima firmeza, então, eu tive uma boa escola
graças a Deus... e a musicalidade veio dos hinos da igreja,
que é uma coisa que tá dentro de mim... Eu acho
que, o rap sem musicalidade, fica muito sem graça, muito
reto, chama pouco a atenção das pessoas. Se a gente
quiser ser ouvido, nada melhor do que uma boa música, uma
boa melodia pra chamar a tenção do público.
PCG-
E o rap na TV? A ala radical do movimento ainda teme por quem
se propõe em representar o hip-hop em canal aberto alegando
uma exposição gratuita da nossa imagem. Como o Hélião
lida com isto?
HéLião- Eu canto rap há
23 anos! Eu nunca falei que não iria na televisão,
pelo contrário, eu sou um rapper, mas antes de tudo eu
sou um músico! Eu tenho uma carreira a seguir, várias
pessoas que dependem de mim – não é só
a minha família – uma pá de mano que ficou
na Família RZO, que também tá esperando uma
oportunidade, os caras confiam em mim! Um exemplo bom é
o Sabotage: ele ensinou que o rap pode se relacionar bem com o
rádio, a TV, a mídia, qualquer um! Ele ia na Globo
hoje, no dia seguinte tava na favela e os irmãos todos
gostavam! Ele chegava ali do mesmo jeito que ele era, sem perder
a originalidade! Ele era consciente e sabia que ele tinha que
promover a música dele... Às vezes eu me submeto
a isso até pelo amor que eu tenho pelo rap, pela vontade
de ver o rap chegar no nível das outras tendências.
Alguém ia ter que dar a cara pra bater, e se primeiro tá
sendo nós, então vombora!
PCG-
O rapper “Marcelo D2” participou com vocês na
faixa “Rap Não Tem Pra Ninguém”. Como
foi esta experiência?
HL- Nós produzimos com o David Corcos
e Daniel Ganjaman. Pô, o Corcos é braço direito
do D2, inclusive a versão do Acústico MTV, foi ele
que produziu tudo... é um cara muito competente, trabalha
3 dias direto no estúdio sem dormir, sem fazer barba, sem
tomar banho, sem nada! Nunca vi isso! Aí eu falava pro
David: traz o D2 aí pra gente conhecer, a gente gosta muito
do som dele! Desde a época do Planet Hemp ele fala uma
pá de coisas que neguinho queria falar, mas não
tinha coragem! Tem gente que diz que o D2 não tem identidade
porque canta rock, samba, rap, mas isso eu acho que é uma
qualidade fortíssima! O cara é versátil,
se dá bem em qualquer estilo! Eu conheço ele a menos
tempo que você, mas eu já vi que ele é aquele
cara... E ele também tá numa fase esplêndida,
porque, um tempo atrás, pelo meu ver, ele mais zoava, e
agora, você vê o estilo do trabalho, os caras trabalhando
no show, montando tudo, a família dele envolvida, os caras
são profissionais, são família e você
vê que ele tá a fim duma parada séria! Torço
pra c... por ele e ele é mó humildão porque
ele já é o cara, e nós, que tamos chegando
ainda, ele chegou e deu uma mão, fez a rima e contou com
nós! Gostei pra caramba! Mó honra!
PCG- “Mano Brown” também rimou com
vocês na faixa “Periferia”. Como se deu esta
química, tendo em vista que Brown se propõe em participar
simplesmente recitando algumas palavras nas músicas dos
artistas de rap?
HL- Eu fiquei muito orgulhoso dessa participação
dele, porque eu fiz por merecer. Eu gravei um disco uma vez com
os caras (Racionais), eles nunca colocaram um papel na minha frente
pra eu assinar, sempre fizeram os pagamentos tudo certinho...
e ele começou a ver que eu ajudava todo mundo, ensinava
todo mundo a cantar... Uma pá de vezes ele chegou pra mim
e disse: p... Hélião, daqui a pouco vai ter um monte
de Hélião por aí cantando... Eu falei: não
Brown, enquanto os caras tiverem no Hélião, a gente
vai tá um pouco mais pra frente! Depois, a gente fez o
disco do Sabotage quando era pra fazer o RZO II, ele chegou e
falou: p... Hélião, vamos fazer o RZO II? Eu falei:
não, vamos fazer o disco do Sabotage, porque ele tá
precisando mais que nós, ele tá num barraco de 2
cômodos, sem janela, passa um lodo na frente... O Brown
ficou meio assim, e perguntou se era isso mesmo que eu ia fazer,
eu confirmei. Depois, na hora, o Brown falou assim: é 10
por cento pro Sabotage e 5 pro Hélião! Eu falei:
não, deixa os 15 por cento pro Sabotage, que o mano tá
precisando mais que eu! O Brown várias vezes foi na minha
casa e foi bem recebido sempre, sem aquele negócio de ficar
enchendo o saco, aquele assédio, foi recebido como uma
pessoa normal... Acho que foi por causa disso! E não pára
por aí: eu tenho também o maior sonho de participar
do disco dos caras... falei pra ele quando ele foi colocar a voz
no nosso! Eu tenho certeza que um dia vou participar no disco
dos manos, pode ser no próximo ou no outro, mas eu tenho
certeza que um dia a hora chega!
PCG-
A Negra Li possui alguma inspiração musical?
NL- O jeito que eu canto, é um jeito meu,
mas tem umas cantoras que eu sempre me inspirei, que seu sempre
gostei que é a Lauryn Hill, Jill Scott, Roberta Flak, Whitney
Houston, um monte... Quando eu não estudava música,
eu não tinha paciência de escutar mpb, aí,
quando a gente começa a estudar, é que a gente fala:
p... é f... mesmo...! a Elis Regina é uma mulher
que eu tô começando a estudar agora; na escola de
música todos os dias eu passo umas músicas dela,
me apresento no final de ano com a escola de música, e
ela é f... no tempo; é f... na interpretação,
é uma mulher que eu tenho muito orgulho; é brasileira,
uma branca com sangue de preto – não pelo fato de
diminuir ninguém, mas eu falo assim por causa da forma
guerreira que ela era! O negro, ele canta assim, acho que pela
época da escravidão, que ele traz no sangue todo
aquele sofrimento, então, eu acho que é isso que
faz a pessoa cantar mais bonito. Quem sofre canta sempre mais
bonito.
PCG-
A dupla tem algum público específico a atingir com
este trabalho?
HL- A gente acha que o rap é pra todo
mundo! Não é só pra bandido, pra fumeta,
mas pra todo mundo que quer curtir! Outra: canta rap, quem sabe
cantar rap! Pode ser playboy, malandro, todo mundo tem uma mensagem
pra passar, uma história pra contar!
PCG-
Quais são as intenções atuais de vocês
sobre este projeto?
HL- Agora nós tamos empenhados nesse projeto
que é sério, que vai exigir de nós –
nós assinamos um contrato de quatro discos – então,
eu tô muito concentrado nisso. Depois disso eu não
sei o que vai acontecer, mas eu tô concentrado nesses quatro
discos e também nos shows: a gente fez nossa batida em
mpc, dá trabalho de tirar tudo com uma banda, mas a gente
não quer ficar tocando só com o dj, até porque
ele gosta de tá envolvido com os músicos porque
fica tudo livre pra fazer a arte dele. Vai dar um trabalho pra
tirar todas as músicas ao vivo, então, eu tô
concentrado nisso, joguei a responsa toda nas costas do Daniel
Ganjaman, que é o nosso maestro e o bicho não tá
nem dormindo! Pra tocar o rap mesmo, com instrumentos, sem a influência
do rock, ou do samba, ou de outro som, é difícil!
Não que a gente não goste desses sons, já
toquei rock-and-roll – em 78 toquei baixo numa banda com
meu tio que se chamava Prisioneiros do Apocalipse (aprendo muito
com ele), depois passei pro samba... Então, gosto desses
estilos, mas o que a gente quer fazer é o rap roots, talvez
seja até uma parada nova no Brasil, porque eu ainda não
vi.
PCG-
Um recado para esta nova geração que está
vendo em vocês a prova viva de que se pode alcançar
um objetivo.
HL- Aonde não tem um espaço pra
ensaiar, as Tecnichs (toca-discos), e o microfone, não
sai nada! Só fica na conversa! No momento que se tem isso,
aí sim, você recruta os irmãos, começa
a testar como tá um, como tá o outro, e assim você
vai formar um grupo e o barato vai subir. É na luta! Sempre
se reunindo, sem deixar pra falar depois indo dormir mordido com
o outro. Não! Tem que chegar e trocar a idéia certa
do jeito que tem que ser! Força, fé, acreditar na
parada e sonhar! Eu, com 4, 5 anos falava pra minha mãe
que queria cantar e hoje eu tô aqui! Ela já não
é mais viva, mas eu tenho certeza que ela tá orgulhosa
de mim, porque eu falei pra ela e fiz mesmo! Então, quem
trabalha Deus ajuda!
PCG- Deixe um conselho para as mulheres que almejam um
lugar como o seu.
NL- Com certeza o lugar de cada uma tá
reservado! Eu acho que você tem que ter fé, acreditar
em Deus; que tudo tem a sua hora, a sua vez, e, com muita calma,
sem se deslumbrar, porque se não der certo, você
vai sofrer muito. Então, faça tudo devagar, com
o coração, e, se de repente você tá
em sua casa sem perspectiva, cuidando da sua criança, não
tem um emprego, junta sua força, freqüenta uma igreja,
é sempre bom. Deus abençoou muito a minha carreira,
a minha voz, o meu canto... Tente agir da maneira certa, pra que
as energias boas venham sobre você. Eu desejo muita sorte
pra quem tá querendo ir nesse caminho. Sejam guerreiras!
Lutem pelos seus objetivos! Eu espero que um dia eu possa encontrar
essas minas pelo caminho, e elas venham falar: olha, eu vi aquela
mensagem que você falou e realmente agora eu tô aqui
e acreditei...!
Saiba
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