O Portal de Campo Grande lança mais uma super coluna, desta vez sobre a Cultura do Hip Hop no Brasil.
Esta coluna está sendo escrita pelo DJ TR

Saiba mais sobre o DJ TR:

- Militante do movimento hip-hop há 14 anos
- Coordenador da ATCON (Associação Atitude Consciente)
- Membro da Zulu Nation Brasil
- Palestrante, escritor e colunista
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Hip-hop – Consciência e Atitude
Toda riqueza histórica do hip-hop nacional sob a ótica de Big Richard...
Quem são os pais desta cultura – no Brasil – em constante crescimento?! Que elementos tornaram-se as molas propulsoras para a expansão do movimento nacional?! O hip-hop possui realmente um papel eficaz na resocialização de jovens das nossas periferias?! Estas e outras curiosidades a cerca do movimento hip-hop nacional, você desvendará ao ler o livro “Hip-hop – Consciência e Atitude”, recém-lançado pelo rapper, ator, apresentador e escritor carioca “Big Richard”. Ativo no hip-hop desde de o início dos anos 90, Big deu seu primeiro passo rumo a militância assumindo a árdua tarefa de presidir a ATCON (Associação Atitude Consciente), extinta entidade que abrigou os primeiros grupos de rap da cena carioca. Casou-se e a cerca de 10 anos reside em São Paulo. E foi lá que as oportunidades surgiram em sua vida: como ator, atuou no elenco do seriado Turma do Gueto (rede Record) e apresentou o quadro Nós na Fita, do programa Fantástico (rede Globo). Adentrou ao universo da literatura infanto-juvenil lançando as obras “Zeca & Juninho no Mundo dos Homens e O Rei Zumbi Um Herói da Liberdade” (adotados pela Prefeitura de São Paulo para o exercício didático na rede pública escolar), na intenção de colaborar com resgate da auto-estima das crianças de periferia. É também colunista da consagrada revista Raça Brasil. Como rapper, brada incansavelmente as necessidades e insatisfações de quem nasceu com a pele escura, o cabelo crespo e sem os devidos atributos para ser incluindo na sociedade como cidadão. Você está convidado a conhecer um pouco mais sobre Big Richard, um artista que questiona a vida...

TR.

Portal Campo Grande- Você vem de uma época em que o hip-hop do Rio era mais guetificado que hoje. Naquele tempo, os jovens optavam muito mais pelo charme (r&b) e pelo funk. Porquê sua atração pelo hip-hop?
Big Richard- Sempre procurei um meio, uma oportunidade para poder gritar, sempre tive este exemplo dentro de casa – que só gritando seremos ouvidos – pois o sistema insiste em se fazer de surdo conosco. Minha família vem da militância de esquerda, perseguição e outras mazelas na época da ditadura recente. Daí aprendi a gritar. E sempre gostei também, dos filmes gringos, filmes que diziam algo, como eram os que propagavam o hip-hop pelo mundo. Foi uma construção. Por outro lado tinha uma ojeriza ao funk ( miami), tinha um tio que era baileiro, e nos bailes começou a usar drogas, entrou pro Comando e se foi. E eu relacionava erroneamente isto ao funk.

PCG- Você também foi o primeiro líder de uma Associação de rappers, responsável pela existência de toda cultura no Rio de Janeiro. Como foi a experiência de lidar com esta tão delicada tarefa?
BR- Foi duro, árduo e bacana. Você estava junto, inclusive na época você trabalhava no Banco Nacional (risos)..., mas voltando a minha entrevista, era uma administração de egos e personalidades moldadas nas mais diferentes realidades e oportunidades, o que gerava um grande conflito. E minha preocupação principal, era não deixar que nos manipulassem justamente por esta falta de experiência, e por outro lado, que nosso radicalismo não atrapalhasse o desenvolvimento das coisas. Mas no fim, depois de termos nos entendido e desentendido, alguns de nós usados de marionetes e papagaios de pirata na consolidação do “rapper branco do grupo”, depois de não termos cedido espaço para partido político e depois de termos nos implodido, o hip-hop é o que é hoje no Rio, a partir daquela sementinha plantada lá trás... Tenho orgulho disso, e orgulho de todos os parceiros que sobreviveram e continuam na luta, nós sim somos vencedores. De certa forma fica o gostinho de não ter cedido.


PCG- E o hip-hop de hoje? Como o Big Richard traçaria sua análise entre o passado e o agora?
BR- Gosto do hip-hop hoje por um motivo: ele prova que cultura não tem limites e nem dono. Cultura não tem fronteiras, ela se expande. Ela tem ícones, mas não proprietário. Tem muito lixo na minha opinião, mas também muita coisa boa. O bacana é que você tem como optar, você tem diversas linhas. No meu caso continuo gostando e sendo da linha mais politizada, faço hip-hop político, uso o hip-hop para política, mas é minha história, é meu direito. Mas quem prefere o hip-hop mais debochado, quem prefere o hip-hop dos muros e dizer que abandonou o hip-hop e é só grafiteiro, como os Gêmeos fizeram recentemente em entrevista ao Fantástico; ou que prefere dizer que agora é Pop e concorrer aos prêmios na categoria Pop, como o Gabriel, também pode. Quero dizer que hoje, o hip-hop tem espaço pra todos – pra quem é e pra quem apenas quer ser, entende? isto prova o tamanho que a coisa tomou. Antigamente isto não seria possível, iria ter cobrança, se vender nem pensar, patrulhávamos mesmo, e sairia muita confusão. Coisa de adolescente... Éramos todos exagerados.

PCG- Como o Big interpretaria esta grande adesão dos jovens de classe média ao hip-hop? E você é contra ou a favor?
BR- Como disse anteriormente: cultura não tem fronteiras, o rap hoje é parte do mercado de consumo, foge ao nosso alcance. Independente de eu concordar ou não, eles irão consumir, inclusive gostaria que consumissem meus produtos, eles serão revertidos pra comunidade. Porém, a questão é como os sujeitos da história, os protagonistas disso que somos, estarão recebendo este novo público. Já estou vendo muita gente se dar mal, pois se deslumbra e acha que agora virou preto pop, está inserido, daí cai, é sugado e jogado fora. volta pro gueto só no bagaço, acaba não sendo bem aceito mais em sua comunidade também. É louco! Tento sempre buscar o equilíbrio. Não podemos nos guetificar, temos que buscar o diálogo, mas nunca sem perder a identidade. Já vi rapper até de moicano... Já pensou que coisa de louco???, (risos). Porém, também erro, nós seres humanos erramos, busco errar menos.

PCG- Você foi um dos poucos a ir na TV para representar nossa cultura. Todos sabemos que durante muito tempo houve uma certa resistência do hip-hop em relação ao seu comparecimento nos meios de comunicação. Para o Big, qual foi o motivo real para este posicionamento?
BR- Comecei a entrevista dizendo, que preciso gritar. E grito onde quer que seja. Numa de minhas letras digo: “eu sei entrar e sair bem, do meu rap te faço refém, vem que tem consciência e ideal”... Não tenho medo do combate, do confronto, pelo contrário, gosto dele. E sempre me preparei pra ele. Penso que a resistência de ir na TV por parte do nosso movimento, não tem nada de ideológico, e sim de despreparo, insegurança e desconfiança do diferente. A TV se apresentava como um grande monstro para os do gueto, mas se não formos de encontro a ele, é sinal que estaremos esperando o “Tarzã Branco” para nos representar... Por outro lado sei que no fundo os que falavam mal de mim por trás, são os que hoje me pedem espaço para divulgarem seus projetos, e me elogiam por isto também. E fica provado, que era puro desconhecimento e insegurança. Quantos não se perderam ao sentar na poltrona do Jô Soares, com aquele discursso de radical do gueto e catapultaram? Eu?... eu continuo aí, continuo na minha caminhada. Logo mais vocês irão conhecer novos passos...logo logo...!

PCG- Por acaso, em algum momento você chegou a ser incompreendido por isso perante o movimento?
BR- Quase sempre, perdi alguns espaços e conquistei outros. Fecharam portas e arrobei outras, nunca achei que todos deveriam me compreender, mas me respeitar. Então tá bom, vamos em frente: enquanto falam de mim eu caminho, eu sigo em frente. Hoje tenho uma produtora de audiovisual, tenho advogado, tenho alguns parceiros consultores, tenho uma equipe de gente preparada, isto é um ganho, entende? Consigo dialogar com as esferas do poder e me fazer ouvir, ao mesmo tempo que meus limites se expandiram além das fronteiras periféricas de Rio de janeiro e São Paulo. Hoje dialogo com a juventude pensante articulada ao redor do globo. Isto é um ganho não somente pessoal mas de grupo do hip-hop, e entende quem quiser, mas a bandeira não abandonei pelo caminho, continuo defendendo e isto que me fortalece, me faz vivo e forte. Gosto de ver as ações de gente como Jay-Z, Puff Diddy, Master P e outros. Não temos que imitá-los, mas fazer da nossa forma. Vivemos num mundo capitalista e não creio que iremos mudá-lo, mas se fizer-mos que ele se adapte a nós, se formos de encontro a mudança, estaremos dando nossa contribuição.

PCG- Tirando as pessoas de Ferréz, Gabriel O Pensador e uma meia dúzia envolvida com o lado literário do hip-hop nacional, você faz parte desta sumária lista de escritores preocupados com a preservação de nossa história e com a difusão da informação através do livro entre nossos jovens. Na sua opinião, porque este baixo nível de interessados do movimento pela cultura do livro?
BR- Não temos uma história literária, nossa elite sim, nós do gueto não. Por outro lado somos originários de uma cultura oralizada ( africana). daí que são vários componentes que nos afastam desta preocupação, do acesso e produção literária, não necessariamente o financeiro. Por outro lado, uma grande parte do hip-hop, quando tomou contato com a leitura, foi através das letras de rap, quilométricas de antigamente...

PCG- E já que estamos falando da importância do livro em nossa cultura, a sua primeira contribuição nesse setor foi a publicação de 2 obras voltadas para as crianças. Quais foram suas intenções e você poderia citar algum retorno positivo através destas?
BR- Sim, verdade. Ao mesmo tempo que penso no todo de minha comunidade, para focar o todo, começo olhando para os meus, para os que me cercam, minhas necessidades com eles. Daí que achava que meus filhos tinham que ter acesso à literatura desde cedo. Livro deveria e deve ser algo natural, assim como televisão, música, comida e etc. Porém, bons livros, livros que fizessem com que eles se enxergassem. Então fui procurar uns livros infantis com crianças e referências positivas ao negro, o que aconteceu? Não achei. Porém, nunca fui de ficar parado me lamentando ou reclamando do sistema. Escrevi da forma que me era possível. Dois livros, e entre eles “O Rei Zumbi”, que logo mais eu soube que não havia nenhum outro livro contando a história de Zumbi para crianças. O resultado foi ótimo, ao ponto de a Prefeitura de São Paulo tê-lo adotado em sua grade curricular e comprado uma edição inteira dele. Pra um negrinho do Rio Comprido (RJ), cheio de estórias trágicas, isto é uma vitória! Me sinto vitorioso! Apesar de que acredito que a vitória é construída dia após dia. Se ontem fui vitorioso, hoje posso me tornar um derrotado, basta se acomodar.

PCG- Em se tratando do seu mais recente livro, “Hip-hop – Consciência e Atitude”, qual foi a intenção principal do Big ao retratar a história do nascimento do movimento no Brasil?
BR- Sinto uma falta de registros de nossa história. Nós brasileiros de uma forma geral, não nos preocupamos com o passado, com a história. Exemplo disso foram os documentos referentes a escravidão queimados. Nós fomos instruídos a acreditar que somos uma república de jovens, e que temos que olhar para o futuro... Mesmo que isto fosse verdade, não poderíamos nunca esquecer nossa história. E o livro foi feito da mesmo forma que o outro, preocupado em produzir instrumentos de difusão cultural, honestos e verdadeiros. Mesmo sabendo que muito do que está ali é a minha história, a minha visão sobre o hip-hop. daí acho estimulante, pois ele não é um livro definitivo, é um livro que certamente necessitará de outros para se completar, pois graças a Deus e aos orixás, nossa história não está finda. E o que tem de muito interessante também, é uma espécie de dicionário com mais de expressões do que chamo “Dialeto Periférico”, expressões usadas dentro do hip-hop e nas periferias brasileiras de norte a sul.

PCG- Vamos falar do Big rapper: estou sabendo por alto de um trabalho sendo testado no laboratório da G. Hertz, selo do produtor e rapper Visio. Você poderia falar um pouco sobre este trabalho?
BR- Sim, é parte do “Elos da Vida - Um Panorama da Periferia”, meu novo disco. Está praticamente pronto, faltando finalizar as mixagens e outras poucas coisas mais. Está bem mesclado com estilos e ritmos que ouço em casa, como salsa, rumba, jazz & r&b. É um disco que estou fazendo sem pressa e costurando parcerias para viabilizá-lo.

PCG- Qual o conselho que você deixaria para esta nova geração de hip-hoppers, muitas vezes, mais deslumbrada com os assédios do mercado, do que com a seu importante papel na cultura?
BR- Façam o que fizerem sempre com honestidade, com verdade. Pense primeiro em você e em sua dignidade. Depois nos outros, no mercado e no mundão. Evite a ilusão. Conquiste seu lugar, com muita seriedade e trabalho sério, isto não tem preço e nem tempo fixo. É como dizia o poeta: “RESPEITO É PRA QUEM TEM, PRA QUEM TEM. PRA QUEM...TEM!” Paz a todos!

Saiba mais:

Livro- Hip-hop Consciência e Atitude
Autor- Big Richard
180 páginas.
Editora- Livro Pronto
www.livropronto.com.br
www.bigrichard.zip.net

Contatos: bibiana.salles@terra.com.br
(11) 8279.8388