Quem são os pais desta cultura – no Brasil –
em constante crescimento?! Que elementos tornaram-se as molas propulsoras
para a expansão do movimento nacional?! O hip-hop possui
realmente um papel eficaz na resocialização de jovens
das nossas periferias?! Estas e outras curiosidades a cerca do movimento
hip-hop nacional, você desvendará ao ler o livro “Hip-hop
– Consciência e Atitude”, recém-lançado
pelo rapper, ator, apresentador e escritor carioca “Big Richard”.
Ativo no hip-hop desde de o início dos anos 90, Big deu seu
primeiro passo rumo a militância assumindo a árdua
tarefa de presidir a ATCON (Associação Atitude Consciente),
extinta entidade que abrigou os primeiros grupos de rap da cena
carioca. Casou-se e a cerca de 10 anos reside em São Paulo.
E foi lá que as oportunidades surgiram em sua vida: como
ator, atuou no elenco do seriado Turma do Gueto (rede Record) e
apresentou o quadro Nós na Fita, do programa Fantástico
(rede Globo). Adentrou ao universo da literatura infanto-juvenil
lançando as obras “Zeca & Juninho no Mundo dos
Homens e O Rei Zumbi Um Herói da Liberdade” (adotados
pela Prefeitura de São Paulo para o exercício didático
na rede pública escolar), na intenção de colaborar
com resgate da auto-estima das crianças de periferia. É
também colunista da consagrada revista Raça Brasil.
Como rapper, brada incansavelmente as necessidades e insatisfações
de quem nasceu com a pele escura, o cabelo crespo e sem os devidos
atributos para ser incluindo na sociedade como cidadão. Você
está convidado a conhecer um pouco mais sobre Big Richard,
um artista que questiona a vida...
TR.
Portal
Campo Grande- Você vem de uma época em que o hip-hop
do Rio era mais guetificado que hoje. Naquele tempo, os jovens
optavam muito mais pelo charme (r&b) e pelo funk. Porquê
sua atração pelo hip-hop?
Big Richard- Sempre procurei um meio, uma oportunidade
para poder gritar, sempre tive este exemplo dentro de casa –
que só gritando seremos ouvidos – pois o sistema
insiste em se fazer de surdo conosco. Minha família vem
da militância de esquerda, perseguição e outras
mazelas na época da ditadura recente. Daí aprendi
a gritar. E sempre gostei também, dos filmes gringos, filmes
que diziam algo, como eram os que propagavam o hip-hop pelo mundo.
Foi uma construção. Por outro lado tinha uma ojeriza
ao funk ( miami), tinha um tio que era baileiro, e nos bailes
começou a usar drogas, entrou pro Comando e se foi. E eu
relacionava erroneamente isto ao funk.
PCG- Você também foi o primeiro líder
de uma Associação de rappers, responsável
pela existência de toda cultura no Rio de Janeiro. Como
foi a experiência de lidar com esta tão delicada
tarefa?
BR- Foi duro, árduo e bacana. Você
estava junto, inclusive na época você trabalhava
no Banco Nacional (risos)..., mas voltando a minha entrevista,
era uma administração de egos e personalidades moldadas
nas mais diferentes realidades e oportunidades, o que gerava um
grande conflito. E minha preocupação principal,
era não deixar que nos manipulassem justamente por esta
falta de experiência, e por outro lado, que nosso radicalismo
não atrapalhasse o desenvolvimento das coisas. Mas no fim,
depois de termos nos entendido e desentendido, alguns de nós
usados de marionetes e papagaios de pirata na consolidação
do “rapper branco do grupo”, depois de não
termos cedido espaço para partido político e depois
de termos nos implodido, o hip-hop é o que é hoje
no Rio, a partir daquela sementinha plantada lá trás...
Tenho orgulho disso, e orgulho de todos os parceiros que sobreviveram
e continuam na luta, nós sim somos vencedores. De certa
forma fica o gostinho de não ter cedido.
PCG- E o hip-hop de hoje? Como o Big Richard traçaria
sua análise entre o passado e o agora?
BR- Gosto do hip-hop hoje por um motivo: ele
prova que cultura não tem limites e nem dono. Cultura não
tem fronteiras, ela se expande. Ela tem ícones, mas não
proprietário. Tem muito lixo na minha opinião, mas
também muita coisa boa. O bacana é que você
tem como optar, você tem diversas linhas. No meu caso continuo
gostando e sendo da linha mais politizada, faço hip-hop
político, uso o hip-hop para política, mas é
minha história, é meu direito. Mas quem prefere
o hip-hop mais debochado, quem prefere o hip-hop dos muros e dizer
que abandonou o hip-hop e é só grafiteiro, como
os Gêmeos fizeram recentemente em entrevista ao Fantástico;
ou que prefere dizer que agora é Pop e concorrer aos prêmios
na categoria Pop, como o Gabriel, também pode. Quero dizer
que hoje, o hip-hop tem espaço pra todos – pra quem
é e pra quem apenas quer ser, entende? isto prova o tamanho
que a coisa tomou. Antigamente isto não seria possível,
iria ter cobrança, se vender nem pensar, patrulhávamos
mesmo, e sairia muita confusão. Coisa de adolescente...
Éramos todos exagerados.
PCG-
Como o Big interpretaria esta grande adesão dos jovens
de classe média ao hip-hop? E você é contra
ou a favor?
BR- Como disse anteriormente: cultura não
tem fronteiras, o rap hoje é parte do mercado de consumo,
foge ao nosso alcance. Independente de eu concordar ou não,
eles irão consumir, inclusive gostaria que consumissem
meus produtos, eles serão revertidos pra comunidade. Porém,
a questão é como os sujeitos da história,
os protagonistas disso que somos, estarão recebendo este
novo público. Já estou vendo muita gente se dar
mal, pois se deslumbra e acha que agora virou preto pop, está
inserido, daí cai, é sugado e jogado fora. volta
pro gueto só no bagaço, acaba não sendo bem
aceito mais em sua comunidade também. É louco! Tento
sempre buscar o equilíbrio. Não podemos nos guetificar,
temos que buscar o diálogo, mas nunca sem perder a identidade.
Já vi rapper até de moicano... Já pensou
que coisa de louco???, (risos). Porém, também erro,
nós seres humanos erramos, busco errar menos.
PCG- Você foi um dos poucos a ir na TV para representar
nossa cultura. Todos sabemos que durante muito tempo houve uma
certa resistência do hip-hop em relação ao
seu comparecimento nos meios de comunicação. Para
o Big, qual foi o motivo real para este posicionamento?
BR- Comecei a entrevista dizendo, que preciso
gritar. E grito onde quer que seja. Numa de minhas letras digo:
“eu sei entrar e sair bem, do meu rap te faço refém,
vem que tem consciência e ideal”... Não tenho
medo do combate, do confronto, pelo contrário, gosto dele.
E sempre me preparei pra ele. Penso que a resistência de
ir na TV por parte do nosso movimento, não tem nada de
ideológico, e sim de despreparo, insegurança e desconfiança
do diferente. A TV se apresentava como um grande monstro para
os do gueto, mas se não formos de encontro a ele, é
sinal que estaremos esperando o “Tarzã Branco”
para nos representar... Por outro lado sei que no fundo os que
falavam mal de mim por trás, são os que hoje me
pedem espaço para divulgarem seus projetos, e me elogiam
por isto também. E fica provado, que era puro desconhecimento
e insegurança. Quantos não se perderam ao sentar
na poltrona do Jô Soares, com aquele discursso de radical
do gueto e catapultaram? Eu?... eu continuo aí, continuo
na minha caminhada. Logo mais vocês irão conhecer
novos passos...logo logo...!
PCG-
Por acaso, em algum momento você chegou a ser incompreendido
por isso perante o movimento?
BR- Quase sempre, perdi alguns espaços
e conquistei outros. Fecharam portas e arrobei outras, nunca achei
que todos deveriam me compreender, mas me respeitar. Então
tá bom, vamos em frente: enquanto falam de mim eu caminho,
eu sigo em frente. Hoje tenho uma produtora de audiovisual, tenho
advogado, tenho alguns parceiros consultores, tenho uma equipe
de gente preparada, isto é um ganho, entende? Consigo dialogar
com as esferas do poder e me fazer ouvir, ao mesmo tempo que meus
limites se expandiram além das fronteiras periféricas
de Rio de janeiro e São Paulo. Hoje dialogo com a juventude
pensante articulada ao redor do globo. Isto é um ganho
não somente pessoal mas de grupo do hip-hop, e entende
quem quiser, mas a bandeira não abandonei pelo caminho,
continuo defendendo e isto que me fortalece, me faz vivo e forte.
Gosto de ver as ações de gente como Jay-Z, Puff
Diddy, Master P e outros. Não temos que imitá-los,
mas fazer da nossa forma. Vivemos num mundo capitalista e não
creio que iremos mudá-lo, mas se fizer-mos que ele se adapte
a nós, se formos de encontro a mudança, estaremos
dando nossa contribuição.
PCG-
Tirando as pessoas de Ferréz, Gabriel O Pensador e uma
meia dúzia envolvida com o lado literário do hip-hop
nacional, você faz parte desta sumária lista de escritores
preocupados com a preservação de nossa história
e com a difusão da informação através
do livro entre nossos jovens. Na sua opinião, porque este
baixo nível de interessados do movimento pela cultura do
livro?
BR- Não temos uma história literária,
nossa elite sim, nós do gueto não. Por outro lado
somos originários de uma cultura oralizada ( africana).
daí que são vários componentes que nos afastam
desta preocupação, do acesso e produção
literária, não necessariamente o financeiro. Por
outro lado, uma grande parte do hip-hop, quando tomou contato
com a leitura, foi através das letras de rap, quilométricas
de antigamente...
PCG-
E já que estamos falando da importância do livro
em nossa cultura, a sua primeira contribuição nesse
setor foi a publicação de 2 obras voltadas para
as crianças. Quais foram suas intenções e
você poderia citar algum retorno positivo através
destas?
BR- Sim, verdade. Ao mesmo tempo que penso no
todo de minha comunidade, para focar o todo, começo olhando
para os meus, para os que me cercam, minhas necessidades com eles.
Daí que achava que meus filhos tinham que ter acesso à
literatura desde cedo. Livro deveria e deve ser algo natural,
assim como televisão, música, comida e etc. Porém,
bons livros, livros que fizessem com que eles se enxergassem.
Então fui procurar uns livros infantis com crianças
e referências positivas ao negro, o que aconteceu? Não
achei. Porém, nunca fui de ficar parado me lamentando ou
reclamando do sistema. Escrevi da forma que me era possível.
Dois livros, e entre eles “O Rei Zumbi”, que logo
mais eu soube que não havia nenhum outro livro contando
a história de Zumbi para crianças. O resultado foi
ótimo, ao ponto de a Prefeitura de São Paulo tê-lo
adotado em sua grade curricular e comprado uma edição
inteira dele. Pra um negrinho do Rio Comprido (RJ), cheio de estórias
trágicas, isto é uma vitória! Me sinto vitorioso!
Apesar de que acredito que a vitória é construída
dia após dia. Se ontem fui vitorioso, hoje posso me tornar
um derrotado, basta se acomodar.
PCG-
Em se tratando do seu mais recente livro, “Hip-hop –
Consciência e Atitude”, qual foi a intenção
principal do Big ao retratar a história do nascimento do
movimento no Brasil?
BR- Sinto uma falta de registros de nossa história.
Nós brasileiros de uma forma geral, não nos preocupamos
com o passado, com a história. Exemplo disso foram os documentos
referentes a escravidão queimados. Nós fomos instruídos
a acreditar que somos uma república de jovens, e que temos
que olhar para o futuro... Mesmo que isto fosse verdade, não
poderíamos nunca esquecer nossa história. E o livro
foi feito da mesmo forma que o outro, preocupado em produzir instrumentos
de difusão cultural, honestos e verdadeiros. Mesmo sabendo
que muito do que está ali é a minha história,
a minha visão sobre o hip-hop. daí acho estimulante,
pois ele não é um livro definitivo, é um
livro que certamente necessitará de outros para se completar,
pois graças a Deus e aos orixás, nossa história
não está finda. E o que tem de muito interessante
também, é uma espécie de dicionário
com mais de expressões do que chamo “Dialeto Periférico”,
expressões usadas dentro do hip-hop e nas periferias brasileiras
de norte a sul.
PCG-
Vamos falar do Big rapper: estou sabendo por alto de um trabalho
sendo testado no laboratório da G. Hertz, selo do produtor
e rapper Visio. Você poderia falar um pouco sobre este trabalho?
BR- Sim, é parte do “Elos da Vida
- Um Panorama da Periferia”, meu novo disco. Está
praticamente pronto, faltando finalizar as mixagens e outras poucas
coisas mais. Está bem mesclado com estilos e ritmos que
ouço em casa, como salsa, rumba, jazz & r&b. É
um disco que estou fazendo sem pressa e costurando parcerias para
viabilizá-lo.
PCG- Qual o conselho que você deixaria para esta
nova geração de hip-hoppers, muitas vezes, mais
deslumbrada com os assédios do mercado, do que com a seu
importante papel na cultura?
BR- Façam o que fizerem sempre com honestidade,
com verdade. Pense primeiro em você e em sua dignidade.
Depois nos outros, no mercado e no mundão. Evite a ilusão.
Conquiste seu lugar, com muita seriedade e trabalho sério,
isto não tem preço e nem tempo fixo. É como
dizia o poeta: “RESPEITO É PRA QUEM TEM, PRA QUEM
TEM. PRA QUEM...TEM!” Paz a todos!
Saiba mais:
Livro-
Hip-hop Consciência e Atitude
Autor- Big Richard
180 páginas.
Editora- Livro Pronto
www.livropronto.com.br
www.bigrichard.zip.net
Contatos:
bibiana.salles@terra.com.br
(11) 8279.8388